Vegetação do cerrado vira carvão clandestino

CB, Cidades, p. 23 - 21/05/2004
Vegetação do cerrado vira carvão clandestino
PM descobre cinco fornos irregulares, no Parque do Guará, reserva ecológica com mais de 300 hectares. Apenas uma mulher é detida. Polícia acredita que há mais carvoarias na região

Além de sofrer com a ocupação desordenada do solo e o cultivo de grãos, como a soja, o cerrado está virando carvão no Distrito Federal. Homens do Serviço de Inteligência e da Companhia Ambiental da Polícia Militar descobriram ontem uma carvoaria clandestina no Parque do Guará. Os policiais encontraram cinco fornos dentro da reserva, que tem mais de 300 hectares, quase o tamanho do Parque da Cidade.
A operação começou na madrugada de ontem, por volta das 4h. Sabendo da existência dos fornos, os policiais queriam prender em flagrante algum carvoeiro para saber o destino do carvão produzido na mata. Mas eles conseguiram flagrar apenas um casal. O homem, Antônio Camilo Pereira, 25 anos, conseguiu fugir. Deixou para trás a mulher, Giovânia Dias da Silva, 22, que enchia sacos de carvão com uma pá.
Assustada, a moça alegou não saber que cometia um crime. Disse que apenas ajudava o marido na atividade, desde que ele saiu da prisão, em agosto do ano passado. Segundo Giovânia, Antônio foi preso em Formosa (GO) por porte ilegal de arma, e estava em liberdade condicional. ''Ele vendia o carvão para donos de quiosques do Guará.''
Cada saco de carvão saía a R$ 5. O casal comercializava o produto em embalagens de 40kg de ração para cachorros. Giovânia contou aos policiais militares que cada forno na reserva ambiental pertence a uma família diferente de chacareiros da região.
Mas é difícil encontrar os carvoeiros em meio ao cerrado por causa da técnica que usam para fazer o carvão. Ao contrário do modelo tradicional, em que são usados fornos feitos com tijolo, no Parque do Guará a madeira queima em buracos. Os carvoeiros colocam o fogo, tapam o buraco feito no solo com chapas de alumínio e usam canos para o ar circular e garantir a combustão do carvão. A queima dura uma semana, quando o dono do forno volta com um ajudante para tirar o material e empacotá-lo.

O comandante da operação, tenente João Marcelo Noronha, da Companhia Ambiental, acredita que haja mais fornos do que os encontrados por sua equipe. Ele disse que policiais continuarão a vasculhar a área para descobrir onde estão os outros fornos e tentar prender os responsáveis. ''Isso é crime ambiental grave e pode provocar um incêndio em todo o parque'', alerta.
Giovânia foi levada para a 3ª Delegacia de Polícia (Cruzeiro), que vai investigar a ação dos carvoeiros. Ela responderá em liberdade pelo crime de produção não autorizada de carvão para fins econômicos. O marido dela pode perder a liberdade condicional e retornar à cadeia caso seja encontrado. Eles têm dois filhos pequenos. Segundo a moça, o carvão era o sustento da família.
Invasores e poluição
Técnicos do Jardim Zoológico de Brasília estão levantando a quantidade de animais e espécies que sobreviveram à ação de invasores no Parque do Guará. O trabalho deve estar pronto no próximo mês. O censo será usado pela Secretaria de Parques na briga contra os invasores. ''Será um argumento a mais para desocuparmos a reserva. Com o levantamento, teremos dimensão do estrago causado pelas invasões'', explica o secretário Ênio Dutra. Segundo ele, 134 famílias moram irregularmente no local.
O Governo do Distrito Federal (GDF) só abrirá a reserva do Guará à visitação depois que todas as famílias forem removidas. Segundo o secretário de Parques, o processo de retirada dos invasores será lento. Ele acredita que as primeiras famílias sairão do parque só no meio do ano. Há terrenos destinados às famílias, na área rural do Recanto das Emas.
Além dos invasores e carvoeiros, a reserva ecológica do Guará sofre ameaças da ação de empresas e estabelecimentos comerciais das redondezas. A 30 metros da cerca da área de proteção são construídas 16 casas da Vila Tecnológica, no Setor Lucio Costa. O entulho das obras e o lixo dos moradores espalham-se.
Donos de bares do Pontão do Cave são acusados pela Administração Regional de despejar esgoto no Córrego do Guará, que também recebe o esgoto dos invasores, o óleo e o sabão que escorrem pela tubulação de águas pluviais dos setores de Cargas e de Inflamáveis. Técnicos da Secretaria de Meio Ambiente e Recursos Hídrico estimam que 90% da água está poluída. A vegetação é ainda alvo dos raizeiros. Até a árvore símbolo da reserva, um pau-d'óleo com idade estimada em 200 anos, está ameaçada. O óleo é vendido como expectorante e rejuvenescedor, a R$ 5 o vidrinho de 5 ml.

FAUNA E FLORA RICAS
O Parque do Guará tem uma das maiores variedades de orquídeas do DF e de animais silvestres. Levantamento feito pela Semarh, há mais de duas décadas, revelou que a reserva tinha mais de 50 espécies de orquídeas - 15 delas só nasciam ali -, 200 tipos de aves, 100 variedades de répteis, 75 de mamíferos e 300 espécies de plantas nativas. Agora, cabe aos biólogos do Zoológico saber o que restou dessa riqueza.


PARA SABER MAIS
Área de preservação desde 1964
Em 1964, o Governo do Distrito Federal (GDF) já destinava as áreas 27, 28, 29 e 30 da região administrativa do Guará para a criação de um parque ecológico. A reserva ocupa área de 300 hectares. Junto com o vizinho Parque Ecológico Ezequias Heringer, tem 402 hectares. É quase a área do Parque da Cidade (de 420 hectares). As duas unidades de preservação ambiental cruzam o Guará I e II, e têm como limites o Setor de Indústrias e Terminal de Cargas e o Setor de Inflamáveis, além das estradas parques Taguatinga-Guará (EPTG) e de Indústria e Abastecimento (Epia). Na reserva estão a nascente do Córrego Guará, afluente da Bacia do Paranoá, e o ponto de encontro dele com o córrego Vicente Pires. O parque abriga a única espécie de pinheiro do cerrado local - Podocarpus brasilienses, o Pinheiro Bravo.

CB, 21/05/2004, Cidades, p. 23
UC:Reserva Ecológica

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