OESP, Metrópole, p. A32-A33 - 08/12/2013
A pressão sobre a última grande área preservada
Sem títulos de terras, cresce exploração do sul do Amazonas
Lourival Sant´Anna
O assentamento do Juma é um microcosmo da Amazônia. Em um sobrevoo de duas horas de helicóptero com fiscais do Ibama, sobre a vastidão de seus 6.890 km² (4,5 vezes o município de São Paulo), o repórter do Estado viu as florestas fechadas e intocadas que caracterizam praticamente todo o Estado do Amazonas, a mata "brocada" pelo corte seletivo e ilegal da madeira, novas áreas queimadas, pasto com gado e até um garimpo clandestino de ouro.
Depois de quatro anos em queda, o desmatamento na Amazônia teve ritmo 28% maior entre agosto de 2012 e julho de 2013 do que no período anterior. Dos Estados em que o desmatamento aumentou, o Amazonas foi o que teve o menor crescimento: 7%. No Mato Grosso foi 52%, em Roraima, 49%, Maranhão, 42% e Rondônia, 21%. Mas a pressão sobre o sul do Estado tem um imenso peso simbólico. Depois de esgotar os estoques de madeira e de degradar as pastagens ou serem expulsas pela soja no Mato Grosso, Pará e Rondônia, as atividades madeireiras e pecuárias são atraídas para o último grande território preservado no País.
Aqui, como em outras partes da Amazônia, os problemas ambientais e fundiários se confundem. Fazendeiros e madeireiros com os quais o Estado conversou na vila de Santo Antonio do Matupi, no município de Manicoré, nas margens da Transamazônica, reclamaram que não conseguem aprovar planos de manejo da madeira e obter licença para desmatar 20% das propriedades, conforme prevê a lei na Amazônia, porque não têm títulos de suas terras.
"O grande problema do Amazonas é a regularização fundiária", define Samuel Martins, presidente da Associação dos Madeireiros de Matupi. "O documento da terra desencorajaria o desmatamento ilegal. Com o cadastro, o sujeito não vai querer ficar correndo do Ibama." Martins considera que quem desmata é o pecuarista. O madeireiro faz o corte seletivo e mantém a floresta de pé, argumenta ele e, com o manejo, volta apenas 25 anos depois ao mesmo lugar, quando as árvores já cresceram de novo. "O madeireiro é o guardião da floresta", enaltece. "Não temos um incentivo, só repressão."
Fiscais do Ibama e ambientalistas observam que os pecuaristas se capitalizam vendendo a madeira e, com o dinheiro, desmatam para formar pastos. Em poucos anos, o pasto se degrada no solo pobre da Amazônia. Fica muito mais barato desmatar novas áreas do que recuperar o solo. Paranaense de Campo Mourão, com 53 anos, Samuel Martins foi em 1977 para Manaus, onde fez curso técnico de agropecuária. De lá desceu para Rondônia, onde "a madeira era muito forte na época", recorda. "O madeireiro vai aonde tem madeira." Matupi é o maior polo madeireiro do Estado. A associação reúne 30 madeireiras. Martins acredita que, no ano que vem, 80% das madeireiras terão seus manejos próprios, legalizados, em vez de comprar madeira dos fazendeiros.
De acordo com o Ministério do Desenvolvimento Agrário, o programa de regularização fundiária Terra Legal fez o georreferenciamento de 47 propriedades, numa área de 6.048 hectares, em Apuí, e de outras 465 no município de Manicoré, somando 118.948 hectares. Mas ainda falta as empresas entregarem todos os trabalhos. Rezoli Cazarin, contratado pelo programa no Matupi, que pertence a Manicoré, afirma que lá 700 propriedades aguardam a emissão do título, o que começará a ocorrer em abril. "O problema é que a cultura da ilegalidade prevalece na Amazônia", lamenta Cazarin. "As pessoas querem trabalhar sem cumprir a lei."
"Infringimos a lei porque precisamos sustentar nossos filhos", defende-se Maximiano Carreta, da Associação dos Produtores e Pecuaristas de Santo Antonio do Matupi. Capixaba de Santa Teresa, ele morou 12 anos em Nova Lacerda (MT), onde foi prefeito, antes de vir há 8 anos para o sul do Amazonas. "Não tenho escritura da terra", diz Carreta, que tem 1.500 hectares, dos quais afirma ter desmatado menos de 10%. "Tenho direito de abrir 20%. É muito pouco, mas vamos respeitar a lei. Como conseguir licença sem documento da terra?"
Os fazendeiros se queixam do cerco constante dos fiscais. "Antes o Ibama vinha, ficava um pouco e ia embora", lembra Serafim da Silva, de 65 anos, que planta café, milho e mandioca e cria gado em sua fazenda de 700 hectares. "A gente antes trabalhava despreocupado. Não tinha ninguém para perturbar. Hoje, trabalha como se estivesse roubando, escondido, com medo. A qualquer momento, chega uma força, e até nos agride." Segundo ele, "aqui ninguém vive com 20%" - o máximo permitido de desmate. "Tínhamos que ter 80% para trabalhar e 20% de reserva."
O pecuarista José Rafael da Silva acusa o fiscal do Ibama Roberto Braga de ter descido de um helicóptero e destruído seu trator e a carreta de mantimentos que ele rebocava, causando-lhe um prejuízo de R$ 200 mil, em janeiro de 2012. Cabral nega que tenha feito isso. De acordo com Luciano Evaristo, diretor de Proteção Ambiental do Ibama, a denúncia foi enviada à Corregedoria, mas não foram apresentadas provas. Ele diz que é comum haver acusações falsas contra fiscais do Ibama, como reação dos produtores contra a fiscalização ambiental. O diretor disse ainda que só é destruído maquinário encontrado em terras da União, como áreas indígenas ou parques nacionais, que não puder ser apreendido.
Praticamente irrelevante no fim dos anos 90, o Ibama aumentou de forma expressiva a sua presença na Amazônia nos últimos anos. Cerca de 500 fiscais fazem operações de campo em todo o País, apoiados por 450 caminhonetes 4x4 e sete helicópteros - um dos quais atua no sul do Amazonas. Fiscais do Brasil todo participam da força-tarefa na região. De plantão no ano passado, dois fiscais em Humaitá comeram pão com ovo na ceia do Natal.
Somente de setembro a novembro, o Ibama lavrou 1.300 multas em Rondônia e sul do Amazonas (que está desde março sob a jurisdição da superintendência de Porto Velho, muito mais próxima que Manaus), e apreendeu, com ajuda do Exército, que faz a logística, 11 mil m³ de madeira - o equivalente a 550 caminhões. "Temos que ter uma ação permanente aqui", avalia Paulo Diniz, superintendente do Ibama em Porto Velho. "Santo Antonio do Matupi é a porta do Amazonas."
Recuperação do solo é mais cara na região
Desmatar uma nova área é em geral mais barato do que recuperar um pasto degradado; no sul do Amazonas, o custo da recuperação é multiplicado pela má logística
Lourival Sant´Anna
A ambivalência e a falta de política clara sobre a ocupação - ou não - da Amazônia explicam a combinação de devastação e pobreza na região. O maior símbolo disso é a Transamazônica. Apesar do nome pomposo, no Amazonas, ela é uma estrada de terra que se transforma na avenida principal das pequenas cidades que cruza. No Pará, Mato Grosso e Rondônia, ela tem trechos asfaltados.
O governo resiste a asfaltá-la no Amazonas, com receio de que isso estimule o desmatamento. Há precedentes do surgimento de "espinhas de peixe", o desenho do desmatamento nas margens de rodovias que foram asfaltadas. Entretanto, a falta de infraestrutura na região também estimula o desmatamento.
Desmatar uma nova área é em geral mais barato do que recuperar um pasto degradado. Mas, no sul do Amazonas, o custo da recuperação é multiplicado pela má logística. A tonelada do calcário, usado na correção do solo, sai por R$ 15 de Cáceres (MT), e chega a Apuí por R$ 380, depois de percorrer 1.800 km.
O prefeito de Apuí, Admilson Nogueira (Pros), tenta organizar a logística para que o calcário venha, por hidrovias, de Itaituba (PA). Apuí até tem reservas de calcário, mas seria preciso atravessar a Floresta Estadual de Sucunduri para trazê-lo.
Os índios da Terra Indígena Tenharin Marmelos ainda cobram pedágio de R$ 70 das carretas, R$ 60 dos caminhões, R$ 20 das caminhonetes, R$ 15 dos carros pequenos e R$ 10 das motos -na ida e na volta, encarecendo os custos. Eles argumentam que, graças a essa receita, deixaram de vender madeira ilegalmente.
A própria ocupação do sul do Amazonas, que atraiu madeireiros e fazendeiros do Sul e do Sudeste, nos anos 80 (o assentamento Juma, por exemplo, começou em 1982), é contraditória com as políticas atuais. O Incra obrigava os colonos a desmatar 50% das áreas, que era o índice permitido por lei, para garantir o direito sobre elas. O senador e ex-governador Eduardo Braga (PMDB-AM) salienta que os amazonenses nativos se contentam com a agricultura de subsistência, com 5 a 10 hectares de plantio. "São os imigrantes que desmatam."
OESP, 08/12/2013, Metrópole, p. A32-A33
http://www.estadao.com.br/noticias/vidae,a-pressao-sobre-a-ultima-grande-area-preservada,1105662,0.htm
http://www.estadao.com.br/noticias/vidae,recuperacao-do-solo-e-mais-cara-na-regiao,1105665,0.htm
Amazônia:Desmatamento
Related Protected Areas:
- TI Tenharim/Marmelos
- UC Sucunduri
As notícias publicadas neste site são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.