OESP, Metrópole, p. A18-A19 - 12/02/2017
Novas Veredas
O mapa do Grande Sertão nos 50 anos da morte de Guimarães Rosa
Leonencio Nossa (textos) & Dida Sampaio (fotos)
O sertão que inspirou o escritor João Guimarães Rosa se movimenta. Da terra dos jagunços destemidos, crianças fascinadas por forasteiros e vaqueiros com lábia de poeta, hoje saem diaristas, feirantes, babás, jardineiros e pedreiros que, em busca de uma vida melhor, enfrentam diariamente o perigo da morte matada nas periferias da vizinha Brasília.
Entre novembro de 2016 e janeiro deste ano, o Estado percorreu regiões de Minas Gerais, Bahia e Goiás onde foram ambientadas passagens importantes do romance Grande Sertão: Veredas, publicado em 1956, para mostrar transformações sociais e econômicas dessas últimas seis décadas. E encontrou um paradoxo. Enquanto se reduz diante do avanço de soja, cana, eucalipto e mineração, o sertão exporta êxodo, grilagem e desmatamento para Matopiba - área agrícola no Norte e Nordeste - e Distrito Federal e Entorno - mancha urbana de 4,2 milhões de pessoas, cuja população só perde para as de São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte.
Mas o sertão que deu origem a um dos maiores clássicos da literatura universal também resiste, por meio da cultura de geraizeiros, veredeiros, vazanteiros, barranqueiros e campineiros - como são chamadas algumas das comunidades nativas do cerrado -, e da resistência de homens, mulheres e crianças que mantêm a alma sertaneja em bairros pobres, violentos e sem qualidade de vida de cidades do Centro-Oeste e Sudeste.
Mudanças
Pesquisa com imagens de satélite revela alterações na paisagem do Grande Sertão
Leonencio Nossa (textos) & Dida Sampaio (fotos)
"Sertão: quem sabe dele é urubu, gavião, gaivota, esses pássaros: eles estão sempre no alto, apalpando ares com pendurado pé, com o olhar remedindo a alegria e as misérias todas..." 'Grande Sertão: Veredas', PÁGINA 523
João Guimarães Rosa (1908-1967), escritor morto há 50 anos, fascinou leitores e críticos mundo afora por livros que descrevem um sertão mítico, que mistura invenção e memória. Mas imagens de satélite e novos mapas mostram que o romance Grande Sertão: Veredas, uma obra-prima da literatura universal, não é tão fictício assim. Eles comprovam a existência até de lugares que estudiosos diziam não existir, como o Liso do Sussuarão (BA), deserto percorrido pelo jagunço Riobaldo, metáfora da travessia da vida.
Pesquisa do engenheiro florestal Guilherme Braga Neves, apresentada como trabalho de conclusão de curso na Universidade de Brasília, indica que o polígono do Grande Sertão, onde o livro foi ambientado, tem 258.676 km², mais do que a área total de Reino Unido e Irlanda do Norte. Não estão incluídos nessa soma pontos citados esporadicamente no romance, como o Jalapão, no Tocantins, e a Chapada Diamantina, na Bahia.
Batizado de Grande Sertão: Veredas - Resgate e Conservação de uma Paisagem Cultural, o estudo conclui que Rosa levou à risca a topografia, os acidentes geográficos e os cursos de rios para escrever sua obra. O romance cita pelo menos 424 localidades reais, incluindo cidades, arraiais, fazendas, cachoeiras e no mínimo 66 cursos d'água, entre rios, riachos, ribeirões, lagos, lagoas e veredas, com destaque para oito deles - os Rios São Francisco, das Velhas, das Fêmeas, Paracatu, Urucuia - o preferido do escritor -, de Janeiro e Carinhanha e o Córrego do Batistério. Nessa análise, ganha força a versão de que o romance é um livro formado por águas - segundo estudiosos, o nome do protagonista Riobaldo pode significar rio represado.
O engenheiro florestal Guilherme Braga Neves visita uma vereda que teve as águas barradas por um fazendeiro
Era do alto que Guimarães Rosa enxergava o sertão para descrevê-lo. "Ele teve acesso aos mapas do Serviço Geológico do Exército e pôde descrever cada acidente geográfico. Isso fica claro quando a gente percebe, por meio de análises do Google Earth, que as serras, morros e cursos de água do livro estão nas mesmas localizações captadas por satélites", observa Guilherme.
O retrato do sertão real indica que a maioria das localidades citadas no romance não está em áreas de conservação e grande parte dessas referências foi transformada pelo agronegócio desde que o livro foi lançado, há 60 anos. A política de desenvolvimento focada na produção de grãos, no plantio de florestas de eucaliptos, no aumento de rebanhos da pecuária extensiva e na mineração industrial sem contrapartidas socioambientais contribuiu para que o cerrado perdesse metade da cobertura original de 2 milhões de km².
"Se não forem tomadas medidas urgentes de conservação dessas paisagens, elas serão irremediavelmente modificadas, desaparecendo com elas a paisagem cultural descrita por Guimarães Rosa", alerta o pesquisador.
A pesquisa ainda chama a atenção para transformações causadas pela política desenvolvimentista implantada pelo governo Juscelino Kubitschek (1956-1960) e tocada a ferro e fogo pela ditadura militar (1964-1985). "Após décadas de incentivos por parte do governo federal, que buscava impulsionar a ocupação do interior do Brasil durante a década de 1970, o sertão descrito por Guimarães Rosa vem se perdendo desde então, ano após ano."
Guilherme usa técnicas de geoprocessamento, com análise da topografia e do solo, para mostrar a situação atual de cada lugar onde ocorreu um fato importante do romance. É o caso da região do Rio dos Porcos, em Minas, onde o personagem Diadorim passou a juventude. "A vegetação nativa foi substituída por fazendas de produção, em que a paisagem cênica pouco importa, restando apenas mosaicos formados por pivôs centrais e pastagens." O engenheiro chama a atenção para o fato de Diadorim ter nascido em 11 de setembro, dia da tragédia no World Trade Center, em Nova York, que mudou o mundo, e do golpe chileno e da morte do presidente Salvador Allende. É a data também em que se comemora o Dia do Cerrado.
De onde vêm os olhos verdes
Jovem da comunidade de Buraquinhos, Chapada Gaúcha, Minas Gerais
O norte mineiro atraiu, no fim do Império, ex-escravos de garimpos que desceram o Rio das Velhas em busca de terra e vaqueiros pobres de currais das margens nordestinas do São Francisco. Muitos eram descendentes de holandeses que viviam no semiárido desde a colonização.
A imagem forte do sertanejo ou sertaneja de pele queimada pelo sol e roupas e chapéu de couro, em certa medida, esconde a ancestralidade do homem e da mulher do cerrado. O Grande Sertão é, antes de tudo, um mosaico de povos. A formação de uma identidade mineira ou sertaneja, sob certo olhar, escondeu a origem de boa parte da população dessa parte do cerrado. Uma viagem à região pode causar surpresa em cada paragem. Entre os municípios mineiros de Arinos e Januária, é comum a presença de comunidades de olhos verdes, descendentes dos holandeses do litoral nordestino, que, no tempo da colonização, fugiram das guerras contra os portugueses e entraram sertão a dentro para criar bois e filhos. Numa leitura livre, podem ser considerados os ancestrais de Diadorim, que se destacava por seus olhos verdes.
'Estado' visita deserto desconhecido do romance
Desde a publicação de Grande Sertão: Veredas, em 1956, a existência do Liso do Sussuarão, importante no romance por ter sido o local mais difícil na travessia do bando de Riobaldo, sempre foi motivo de polêmica entre estudiosos. Em 1974, Alan Viggiano avaliou no estudo Itinerário de Riobaldo Tatarana que o deserto citado por Guimarães Rosa era o Liso da Campina, no município mineiro de Formoso. Essa versão foi contestada por Willi Bolle, autor do livro Grandesertão.br: o romance de formação do Brasil, de 2004. Bolle avaliou que a Campina é um espaço pequeno. Para ele o Sussuarão é uma construção literária que não se limita à topografia.
Confronto feito pelo engenheiro florestal Guilherme Braga Neves de mapas recentes do IBGE, análises de satélite e descrições do romance, no entanto, apontou que o liso é uma mancha branca, de pouca vegetação, no município de Cocos, no oeste baiano. Fica no sopé da Serra da Suçuarana, perto do Córrego dos Bois e da Lagoa Suçuarana. A análise indicou que esse liso tem cerca de 2 km de norte a sul e outros dois de leste a oeste, ainda que numa dimensão menor que as "50 léguas de fundo" registradas por Guimarães Rosa.
Numa viagem à região, pode se constatar que a faixa arenosa chega a 150 km de extensão, atingindo a marca registrada no romance - no Brasil, a légua pode variar de 2 a 6 km. Uma vegetação rasteira disfarça boa parte da areia, impedindo uma análise melhor de imagens de satélite. Mas o liso ainda é uma das áreas do Grande Sertão com a maior parte da cobertura vegetal nativa preservada.
Que um deserto existe na Bahia, logo após a divisa com Minas, existe. Difícil é chegar até lá. O deserto está a quase mil km de Salvador e a 700 km de Brasília. Da sede de Cocos ao início do deserto, são 60 km de estrada de chão. Só carro com rodas traçadas consegue percorrer o solo com um forro de areia de quase 1 metro.
Pela estrada, a antiga Bahia-Goiás, caminho de tropeiros no tempo colonial, um homem transporta mercadorias no lombo de um burro. O agricultor José Antonio Porfírio, de 82 anos, criou os 22 filhos num pequeno sítio de Cocos. Numa parada para conversar com a reportagem, ele conta que a maioria deles se mudou para Brasília. "Aqui fica quem cresceu raiz. Tenho filha que corta cabelos, outra que trabalha em casa de família. Um é pastor, outro tem mercearia. Tudo na Brasília."
Nas margens da estrada, granitos pretos em formato de bicho se destacam na vegetação rasteira do cerrado. Há muitas veredas e córregos pelo caminho.
Video. O Estadão percorre o sertão que inspirou um dos maiores clássicos da literatura brasileira. Da terra dos jagunços destemidos e vaqueiros com lábia de poeta, hoje saem homens, mulheres e crianças que resistem com alma sertaneja nas cidades violentas do Centro-Oeste e Sudeste
O platô da Serra da Suçuarana, ou Suçarana, como chamam os moradores, divide o deserto em dois. De um lado, o deserto tem cerca de 5 km de extensão, do Galho (nascente) da Suçuarana até a Fazenda Caiçara. Do outro, do Rio Itaguari ao Riacho do Meio, o comprimento chega aos 150 km. As terras planas de cima do platô são consideradas ideais para a agricultura.
No começo de dezembro, quando o Estado percorreu o lugar, o cerrado estava verde. Uma vegetação vistosa cobria boa parte do areal. O Rio Santo Antônio corre com água de um verde escuro. O curso segue para o Rio Carinhanha, que deságua no Itaguari, afluente do São Francisco. A última comunidade antes de chegar ao sopé do platô, ao deserto propriamente dito, é Santa Luzia. De lá em diante, a paisagem é formada apenas por grandes fazendas.
O labirinto é formado por estradas ora de areias brancas, ora de areias amarelas, ora de terras vermelhas, ora de terras roxas. Ipês e grandes aroeiras, árvores de folhas com sabor de manga, estão pelos caminhos. No tempo de chuvas, a areia está assentada. É mais fácil percorrer a estrada do deserto no fim do ano do que no primeiro semestre, na seca do cerrado, quando a areia está solta e até trator tem dificuldade de trafegar.
A reportagem encontrou perto da vereda que margeia a estrada, numa área sem cobertura vegetal, um curral com algumas dezenas de bois. Um grande pé de tamboril, árvore frondosa, faz sombra para o gado. No fundo, há um rancho de folhas de palmeira buriti. Dois homens se aproximam. Vestem roupas de couro. Um deles se apresenta. É José Nunes Cardoso, o Zezinho, de 37 anos. O outro, Aparício Marques de Castro, de 40. Saíram de casa, no Riacho do Meio, a 25 km, às 3 da manhã, para cuidar do rebanho formado por animais de famílias da comunidade. Os dois vaqueiros permanecerão no rancho por alguns dias até olhar cada boi, ver feridas, identificar eventuais doenças.
É meio dia. Num fogão de barro, preparam uma feijoada com carne seca. O rancho tem uma rede e uma cama de palha. São homens de poucas palavras, desconfiados. Não é comum alguém de fora aparecer por ali. Nem os "investidores", como chamam em Cocos homens que compram terras para a agricultura. O vereador Daí Miclos, de 59 anos, na quinta legislatura, avalia que a seca dos últimos três anos e a crise econômica seguraram, até agora, o avanço do agronegócio, que ainda não chegou ao platô e às veredas da Suçuarana.
Pedimos aos vaqueiros para acompanhar o trabalho deles. "Moço véi, vai prejudicar a gente, não?", pergunta Zezinho, curvado, com os olhos encobertos pelo chapéu de couro. "Se fizer mal, sei de riba donde vou", brinca.
O gado que toma água nessas veredas é de pequenos sitiantes. O boi curraleiro era a raça predominante no tempo do romance de Guimarães Rosa. Era um animal de pequeno porte, nas cores parda e castanha, resistente ao calor do cerrado e à aridez da terra no tempo de pouca chuva. Depois veio o zebu. O nelore só chegou a grandes propriedades, de fazendeiros que vieram mais tarde.
Zezinho monta num cavalo para tocar a boiada. De corpo grande, curva-se sobre o lombo do animal, como se seguisse as árvores do cerrado. Entorta para a direita, depois para a esquerda, faz o gado ir para o cercado. Não esconde o incômodo com os de fora das Gerais. Fala que passou o que sabe para o filho, de 10 anos. "É tradição. Aprendi com meu pai. Meu filho agora sabe."
Dali em diante é o deserto propriamente dito, com o solo arenoso. É tempo das águas e de frutas do cerrado. Peras do campo, uma fruta doce, enchem os galhos de arbustos que não passam de um metro e meio. Cagaitas, uma fruta carnuda, mais azeda, estão por toda parte. Um olhar mais observador perceberá uma série de pequenas flores de cores intensas. Bandos de periquitos jandaia quebram o silêncio do cerrado. Não há vento, redemoinhos, só um sol abrasador.
Famílias nativas vivem como nômades no sertão
"Nada, nada vezes, e o demo: esse, Liso do Sussuarão, é o mais longe - pra lá, pra lá, nos ermos. Se emenda em si mesmo. Água, não tem." PÁGINA 29
No caminho para o Liso do Sussuarão, estrada que liga Cocos a Guanambi, no oeste baiano, uma dezena de famílias de geraizeiros, como são chamados os moradores nativos das Gerais de Minas, Bahia e Goiás, construiu casas de estuque, barro e bambu, cobertas de folhas de buriti. O município de Cocos tem IDHM de 0,598, um nível baixo no índice que vai de 0 a 1 e leva em conta longevidade, educação e renda.
Lá o Estado encontrou a maioria das casas fechada. Moradores estavam no mato, em pequenas plantações e na coleta de frutos do cerrado. A única moradora presente é Rosélia Barros Castro, de 22 anos, semblante pálido. Não houve almoço naquele dia. Ela relata que o marido, Sílvio, e a filha, Letícia, de 2 anos, estão na casa de um parente, a alguns quilômetros dali. Outro filho, Laílton, de 5, foi soltar o cavalo da família num pasto atrás da vereda.
Minutos depois, um menino surge na estrada. É Laílton. Quando se aproxima, é possível notar o cuidado com que segura um rolo de corda com as duas mãos. De corpo franzino, ele parece assustado com a presença do Estado. Diante do fotógrafo, fica estático.
Sílvio prepara uma nova casa, mais ampla e também de folhas de buriti, na terra de um fazendeiro que os deixa morar ali. Famílias de geraizeiros como a de Rosélia vivem quase nômades no sertão, de terra em terra, entre uma vereda e outra, o mais próximo possível dos pequizeiros, que dão os frutos que os alimentam em tempo difíceis.
Ela conta que a maior dificuldade é ir até a sede do município, a uns 40 quilômetros, receber o Bolsa Família. "Um conhecido dava carona, mas meu marido brigou com ele e agora a gente precisa esperar alguém passar na estrada. E nunca passa."
Romance é considerado clássico da literatura
Publicado em 1956, o romance Grande Sertão: Veredas é considerado um dos mais importantes do realismo latino-americano do século 20. Num monólogo, o fazendeiro e ex-jagunço Riobaldo Tatarana, o Urutu-Branco, conta sua vida a um interlocutor sem nome. Ao longo da obra, narra a guerra contra Hermógenes, chefe de um grupo rival, um suposto pacto feito com o diabo e a relação com o amigo Reinaldo, o Diadorim, integrante de seu bando. É a narrativa de um jagunço confuso, em busca de explicação para o desejo que sentia. Riobaldo só relata no final da narrativa o segredo de Diadorim.
Para compor o livro, João Guimarães Rosa recorreu à memória de médico em Itaguara, interior de Minas, a anotações de viagens pelo sertão, feitas em 1945 e 1952, e a cartas repassadas por conhecidos e pelo pai, o comerciante Florduardo Pinto Rosa, de Cordisburgo. Também fez visitas frequentes ao Zoológico do Rio de Janeiro, onde morava durante a escrita do romance, para descrever ações dos animais.
A análise de imagens de satélites indica que ele ainda usou mapas, possivelmente elaborados pelo Exército, para situar personagens e descrever episódios. No romance, o sentido de sertão é aberto - permite que o cenário seja a memória e a imaginação de Riobaldo, do escritor ou do leitor - e universal - "onde o pensamento da gente se forma mais forte que o poder do lugar".
Após atuar como médico no interior mineiro, Rosa passou no concurso do Itamaraty. Durante a experiência de cônsul-adjunto em Hamburgo, entre 1938 e 1942, ele e a mulher, Aracy de Carvalho, concederam uma série de passaportes a judeus que fugiam do Holocausto.
O reconhecimento literário não veio de uma vez. Logo após publicar Grande Sertão: Veredas, ele perdeu uma eleição na Academia Brasileira de Letras. O vencedor foi o político Afonso Arinos, hoje um nome sem relevância no cenário literário. Rosa voltou a concorrer à cadeira de imortal em 1963. Ele morreu em novembro de 1967, três dias após tomar posse, mas chegou a ver sua obra virar filme.
Em 1965, os irmãos Geraldo e Renato Santos Pereira levaram o Grande Sertão para o cinema. Eles filmaram a história no povoado de Lagoa Formosa, em Patos de Minas. O escritor acompanhou atentamente as gravações. Logo no começo do filme, o segredo de Diadorim, interpretado por Sônia Clara, é revelado ao personagem de Riobaldo, papel de Maurício do Valle. Duas décadas depois, a Globo pôs no ar uma minissérie dirigida por Walter Avancini, com Tony Ramos (Riobaldo), Bruna Lombardi (Diadorim) e Tarcísio Meira (Hermógenes).
O romance também ficou famoso por sua linguagem. No estudo Riobaldo Agarra Sua Morte e Outros Ensaios Contingentes, o mestre em filosofia Fabiano Lana observa que a inversão de termos de frases é mais comum do que os neologismos, assim como palavras posicionadas fora do lugar e o uso de expressões pouco frequentes até no dia a dia da região, muitas de um português arcaico, sertanejo.
O mesmo trabalho questiona a força do narrador do romance. Lana observa que, ao chegar ao Paredão, local do embate decisivo com seu adversário, Riobaldo acabou provocando a morte física daquele que desejava tanto. "Riobaldo decidiu-se pela morte de Diadorim quando se preparava para a batalha final contra Hermógenes", escreve. "No momento exatamente anterior à última peleja, abandonou seu grupo para ir atrás da noiva prometida, Otacília."
Quando Riobaldo voltou para se reintegrar ao bando, o tiroteio tinha começado. Pelo pacto firmado com Diadorim, quem deveria matar Hermógenes era ele. Mas quem partiu para atacar o inimigo foi Diadorim. Riobaldo observou a luta da janela de uma torre do vilarejo. "Maior atirador do sertão, Riobaldo não conseguiu acertar o gatilho para salvar o amigo ou assassinar o inimigo", ressalta Lana. "Por medo, por falta de forças para sair da impessoalidade, da impropriedade, permitiu que a oportunidade se esvaísse. Tentou culpar o diabo e as contingências por tudo. Não foi forte o suficiente para enfrentar os perigos que a vida lhe ofereceu."
OESP, 12/02/2017, Metrópole, p. A18-A19
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Cerrado
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