Falta de chuvas histórica seca rios e isola indígenas na Amazônia

O Globo - https://oglobo.globo.com/brasil/noticia/2023/12/10 - 10/12/2023
Falta de chuvas histórica seca rios e isola indígenas na Amazônia
Com seca extrema desde setembro, comunidades ribeirinhas deixaram de ser abastecidas por grandes embarcações; calor piora caminhadas de quilômetros até plantações

Por Lucas Altino - Rio de Janeiro
10/12/2023

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Recuo no leito do Rio Negro impede aproximação até de pequenos barcos na principal orla de São Gabriel da Cachoeira (AM) - Foto: Ana Amélia Hamdan/ISA

A seca extrema que atinge a Amazônia desde setembro e se tornou uma das piores da História deixou milhares de moradores de comunidades indígenas e ribeirinhos em um isolamento quase total, com a navegação pelos rios inviável em muitos trechos. A última onda de calor tornou mais árdua as caminhadas de quilômetros até escolas, plantações ou serviços de saúde.

No Rio Negro, com a bacia rodeada de terras indígenas, o nível de água no fim de outubro desceu a 13 metros, o mais baixo desde 1902, quando a medição foi instalada. Nas últimas duas semanas, houve uma melhora, mas a previsão é de que a seca seja ainda mais intensa de dezembro a fevereiro.

- As aulas nas escolas indígenas precisaram ser interrompidas e as pessoas andam oito horas em busca de comida e água potável. Com a morte de peixes, falta comida. Há comunidades completamente isoladas, como os Miranhas e os Cocamas no Médio Solimões - afirma Maria Cordeiro, a Mariazinha Baré, coordenadora da Articulação das Organizações e Povos Indígenas do Amazonas (Apiam).

O começo precoce da seca piorou o problema. Normalmente, a estiagem começa em dezembro. São Gabriel da Cachoeira (AM), no Alto Rio Negro, tem área urbana cercada por 23 povos e 750 comunidades com cerca de 40 mil indígenas que dependem de abastecimento por balsas.

As grandes embarcações não conseguem mais navegar e pequenos barcos precisaram ser acionados, o que significa viagens mais lentas e em maior número.

- O rio começou a secar em agosto, quando era para estar estável ainda. Não tivemos planejamento - explicou Rosivaldo Lima Miranda, da comunidade Açaí-Paraná, do Piratapuya, no Alto Rio Negro. - Normalmente são dois dias de viagem até São Gabriel. Com a seca, passou a durar três dias e meio. E gasta mais combustível.

As últimas semanas foram marcadas pelo "repiquete", com chuvas pontuais que elevam o nível do rio, mas longe da quantidade necessária. Comunidades mais afastadas continuam com geladeiras vazias, falta de água e plantações prejudicadas. Tradicionalmente, as roças nessa região ficam afastadas das casas. Sem barco, as pessoas precisam caminhar por horas até os plantios.

- Minha tia tem uma roça que fica a dois quilômetros da casa dela. No auge da seca, ela não conseguia ir para lá, porque precisa ser de barco - relata Lima. - O calor já começava a ficar forte às 9h. Depois de meio-dia, o corpo não aguenta mais.

Igarapé inacessível

O isolamento é ainda mais grave na Reserva Extrativista Riozinho do Anfrísio, onde vivem 117 famílias, a 500 quilômetros de Altamira (PA). Nem pequenas embarcações conseguem passar no igarapé que dá nome à comunidade. Na região, o normal era começar a chover agora, o que ainda não aconteceu.

Em meados de outubro, foi decretado o estado de emergência climática na reserva. ONGs começaram a enviar cestas básicas por helicóptero. Outro acesso é por uma estrada aberta por madeireiros no Sul da reserva.

O governo do Amazonas afirmou que entregou mais de 95 mil cestas básicas nos últimos 45 dias, totalizando 1.802 toneladas de alimentos, além de kits de higiene e medicamentos. Mais de 100 toneladas foram para 170 comunidades indígenas, e 44 toneladas, à Defesa Civil Municipal de São Gabriel da Cachoeira. Pelo programa Água Boa, houve instalação de 53 purificadores de água e de seis estações de tratamento de água móveis.

A Funai informou que já foram viabilizados cerca de 35 mil cestas básicas e 500 mil litros de água potável em parceria com a Conab. O Ministério da Saúde disse que ampliou contratos de horas voos a locais inacessíveis e reforçou o combustível para lugares com aumento do consumo, além de enviar cestas básicas e equipes de combate a incêndios.

Outra ação é o repasse de R$ 8,12 milhões, pelo Programa de Aquisição de Alimentos para compra de produtos de agricultura familiar. O Ministério de Portos e Aeroportos disse que fez intervenções em 20 quilômetros na bacia amazônica, em investimentos de cerca de R$ 200 milhões.


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