FSP, Ciência+Saúde, p. C12-C13 - 31/08/2014
Plano ambiental falha, e estrada no Pará vira foco de queimadas
Criado por Marina Silva quando era ministra, projeto não conseguiu conter desmate na BR-163
Ibama está presente na região, mas 85% das propriedades não foram legalizadas ali, afirmam produtores
MARCELO LEITE ENVIADO ESPECIAL A NOVO PROGRESSO (PA)
Virou fumaça, ou poeira, o plano "BR-163 Sustentável", principal tentativa de Marina Silva quando era ministra de Lula para evitar o desmatamento induzido por estradas na Amazônia. Não se vê outra coisa --pó e fumaceira-- nos cerca de 200 km que ainda falta pavimentar da rodovia no sudoeste do Pará.
O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais alertou que cresceram 320% os focos de queimadas no Pará em 2014, até o último dia 19, em comparação com o mesmo período em 2013. A maioria ocorreu na área da BR-163, nos municípios de Altamira, Itaituba e Novo Progresso.
A reportagem da Folha percorreu, por quatro dias na penúltima semana de agosto, os cerca de 400 km entre Itaituba e Novo Progresso, dos quais pelo menos 150 km ainda são de terra. Melhor dizendo: 150 km de buracos, areiões e atoleiros, que obrigam as carretas de soja ou milho a trafegar a meros 4 km/h.
Faz oito anos que o governo Lula decidiu asfaltar os quase mil quilômetros do trajeto paraense da BR-163. A estrada ainda está incompleta, mesmo com dotação orçamentária de R$ 1,5 bilhão nos últimos cinco anos. Deve ficar pronta no fim de 2015.
A rodovia, também conhecida como Cuiabá-Santarém, tem por principal função escoar a safra de grãos de Mato Grosso pelo norte, via rio Amazonas, em vez de seguir para os longínquos portos ao sul (Santos e Paranaguá).
Em 1999, quando o governo FHC planejou pavimentar a BR-163, temia-se um salto nas taxas de desmatamento (80% dele ocorre ao longo de rodovias amazônicas). Se 30 km fossem derrubados de cada lado da estrada, seriam 60 mil km² de corte raso, ou três Estados de Sergipe.
Em 2004, quando a atual candidata a presidente Marina Silva (PSB) encabeçava o Ministério do Meio Ambiente, começou-se a esboçar o "BR-163 Sustentável". O plano era tornar o Estado presente na região, levando fiscalização, regularização fundiária, crédito e apoio técnico para uma produção agropecuária menos devastadora.
VELHO ATRASO
O desmatamento na Amazônia disparou a partir de 2001 (18 mil km²) e chegou a 27 mil km² em 2004. Novo Progresso, na BR-163, tornou-se símbolo de ocupação predatória da floresta. Hoje a cidade tem 25 mil habitantes, 687 mil bois e vacas e a segunda renda per capita do Pará: R$ 7.899 (só perde para Belém). Mas está em 644o lugar entre 772 municípios paraenses no ranking de progresso social da ONG Imazon.
Em 2005, dias depois do assassinato da freira Dorothy Stang em Anapu (PA), o governo federal interditou 83 mil km² de florestas na área da BR-163, destinadas à criação de unidades de conservação. Três foram decretadas, com um total de 64 mil km².
Dez anos depois, a avaliação é unânime entre os que permanecem na área, de pequenos agricultores assentados a grande fazendeiros: pouco aconteceu além de queimadas e sucessivas operações de autuação do Ibama.
Fazendeiros, madeireiros e até assentados andam irritados com operações do Ibama. Agentes circulam armados e se fazem acompanhar de policiais militares paraenses ou de integrantes da Força Nacional nas caminhonetes 4x4 e até em helicópteros.
Mas Agamenon Silva Menezes, presidente do Sindicato de Produtores Rurais de Novo Progresso, diz que ninguém mais liga para o Ibama. "Deixa multar", diz, com visível contrariedade, o agrônomo gaúcho que chegou à região há 19 anos e diz ter 70 hectares. Segundo Menezes, só 400 de 3.000 propriedades foram legalizadas.
"A implementação [do plano] foi insignificante", diz Edivan Carvalho, pesquisador do Instituto de Pesquisas Ambientais da Amazônia. Para ele, o ordenamento territorial perdeu espaço para as grandes obras na região, como o porto graneleiro de Miritituba e as cinco hidrelétricas previstas para o rio Tapajós. "O PAC engoliu o plano BR-163 Sustentável'."
Leia a reportagem completa no site:
folha.com/br163
Os jornalistas Marcelo Leite e Lalo de Almeida viajaram ao Pará a convite das ONGs Andi (Comunicação e Direitos) e Clua (Climate and Land Use Alliance)
Osvalinda, assentada
Ameaçada, líder de assentamento resiste à pressão madeireira
Ilhada por lotes de fazendeiros, ela diz não ter medo de morrer como a freira Dorothy
DO ENVIADO ESPECIAL A NOVO PROGRESSO (PA)
Osvalinda Maria Marcelino Alves Pereira, 45, e Daniel Alves Pereira, 43, se conheceram e casaram no Paraná. Mudaram para Itanhangá (MT) nos anos 1990 atrás de terra para plantar. Saíram de lá em 2001, quem diria, fugindo da fumaça. Compraram uma moto e 16 dias depois chegaram a Trairão (PA).
Na igreja de Trairão ouviram que dava para comprar um lote de 100 hectares (cada hectare tem 10 mil m², pouco mais que um campo de futebol) no assentamento Areia 2. Ficava a 40 km da BR-163, mas eles toparam.
O Areia 2 faz parte do Projeto de Assentamento Areia. Dos seus 200 km², cerca de 30 km² são explorados por madeireiros e há ocupação ilegal de lotes por fazendeiros.
Das 275 famílias assentadas, só 73 têm títulos e podem obter crédito para agricultura familiar (Pronaf). Ao menos 15 assassinatos foram cometidos entre 2010 e 2012.
Diante das dificuldades, muitos assentados desistiram do Areia 2. Mesmo sem títulos, vendiam as terras só com base em documentos particulares (o que é crime). À medida que acumulavam lotes, os compradores pressionavam os colonos pioneiros cujas terras ficavam ilhadas.
É o arranjo típico que alimenta a violência na Amazônia. João Chupel Primo foi assassinado em outubro de 2011 após denunciar a extração ilegal de madeiras nobres como o ipê de unidades de conservação (parques e florestas nacionais, por exemplo) no entorno da BR-163.
Osvalinda tornou-se líder da associação de mulheres no Areia 2. No ano passado, começou a receber ameaças. Madeireiros foram com capangas armados à sua casa e ofereceram dinheiro em troca de apoio para impedir a entrada do Ibama no assentamento. Mencionaram a freira americana Dorothy Stang, morta a tiros em 2005.
"O dinheiro de vocês não faz febre pra mim não", conta ter dito Osvalinda. "Se eu morrer como a irmã Dorothy, morro feliz. Mas prefiro morrer de problema meu, não de bala de vocês", afirma ter retrucado. Ela diz que não deixa seu sítio. "Tudo que eu tenho está aqui."
(ML)
Mônica, fazendeira
Pecuarista corre o risco de perder terra não regularizada
Produtora rural tenta desmembrar sua propriedade de unidade de conservação
DO ENVIADO ESPECIAL A NOVO PROGRESSO (PA)
Mônica Correa da Costa dos Santos, 47, conheceu o marido --paranaense de Francisco Beltrão-- em Cuiabá. Ele e três irmãos adquiriram uma posse de mil hectares em Novo Progresso, no final dos anos 1990, de um tal sr. João, com o dinheiro apurado ao serem desapropriados pela usina de Itaipu.
A transação teve apenas um documento particular, "como é comum na região". A fazenda hoje tem 200 cabeças de gado, na vicinal Marajoara, em área que o governo incluiu na Floresta Nacional do Jamanxim em 2006.
Os Santos correm o risco de perder a propriedade e receber pagamento só pelas benfeitorias. Como não há título firme das terras, elas pertencem à União e não podem ser objeto de indenização.
Há oito anos a família e outras mil que ocupam partes da Flona Jamanxim lutam para desmembrar ("desafetar", no jargão fundiário) suas propriedades do perímetro da floresta nacional. O total de 415 mil hectares de "área consolidada" tiraria um terço da unidade de conservação de 1,3 milhão de hectares.
"Se a desafetação não sair, não sei o que vamos fazer", diz a presidente da Associação dos Produtores Rurais das Glebas Embaúba e Gorotire. "Tudo que nós temos nós investimos aqui."
"Viemos para cá criar nossos filhos", diz a mãe adotiva de cinco crianças, "na esperança de produzir e ser legalizado." Ela se queixa da demora na regularização das terras. "Lá fora nos chamam de bandidos e grileiros."
Para ela, o asfaltamento da BR-163 é "maravilhoso". Sua família tem um caminhão e aumenta a renda com fretes. Mas reclama que até agora só vieram carretas e que a escola técnica federal parou.
"O governo tem de ser parceiro do povo daqui, fazer uma operação gigante dessas [do Ibama] para legalizar tudo", diz. "Esta cidade não é só queimada e caminhão de madeira apreendido."
Mônica conta que a proposta de desafetação das áreas dos fazendeiros está parada na Casa Civil. O senador Flexa Ribeiro (PSDB-PA) apresentou projeto no Congresso com esse objetivo.
(ML)
FSP, 31/08/2014, Ciência+Saúde, p. C12-C13
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cienciasaude/183364-plano-ambiental-falha-e-estrada-no-para-vira-foco-de-queimadas.shtml
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cienciasaude/183363-ameacada-lider-de-assentamento-resiste-a-pressao-madeireira.shtml
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cienciasaude/183362-pecuarista-corre-o-risco-de-perder-terra-nao-regularizada.shtml
Estradas:BR-163
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