Ricardo Salles ignora e distorce fatos ao criticar reportagem da Folha

FSP, Ambiente, p. B9 - 07/12/2019
Ricardo Salles ignora e distorce fatos ao criticar reportagem da Folha
Ministro disse que fiscalização não foi suspensa, o que seus convidados e a verificação in loco negam

Fabiano Maisonnave
MANAUS

O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, ignora e distorce fatos ao criticar reportagem da Folha sobre a reunião com infratores ambientais e parlamentares acreanos para tratar da Reserva Extrativista (Resex) Chico Mendes.

Em artigo publicado na quinta-feira (5), Salles contesta a apuração da reportagem segundo a qual após o encontro, realizado em Brasília no dia 6 de novembro, o Ministério do Meio Ambiente suspendeu a fiscalização na Resex.

O ministro Salles chamou a reportagem de "matéria sensacionalista, inverídica e que se parece mais com militância do que com jornalismo" e disse que "não houve nenhuma determinação nem sequer parecida como aventado na reportagem" para paralisar a ação fiscalizatória, a cargo do ICMBio.

A afirmação contradiz o que seus convidados disseram. Logo após o encontro, a deputada federal Mara Rocha (PSDB), que defende a redução da área da Resex, publicou em uma rede social: "Em primeiro lugar, o presidente do ICMBio se comprometeu a suspender, imediatamente, com as fiscalizações ostensivas".

A reportagem obteve o mesmo relato em entrevista com o vereador Gessi Capelão (MDB), outro presente ao encontro. Ademais, a paralisação foi noticiada pela imprensa acreana sem sofrer contestação de Salles.

A suspensão também foi verificada in loco. Nos quatro dias dentro da Resex, a reportagem não encontrou nenhuma fiscalização. Moradores confirmaram que, desde o início de novembro, os agentes do ICMBio não apareceram mais.

Por outro lado, a reportagem flagrou a queima ilegal de uma área de floresta que havia sido embargada durante uma operação do ICMBio em outubro, no seringal Albracia, um dos que mais sofrem com desmate ilegal.

A Resex Chico Mendes registrou neste ano um salto de 203% no desmatamento, um recorde tanto em aumento percentual como em área destruída, segundo o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais). Salles se absteve de explicar por que isso ocorreu em sua gestão.

Em seu texto, o ministro afirma que "receber bancadas de deputados e senadores faz parte do dia a dia de um ministro de Estado" e que os parlamentares "são livres para levar consigo seus apoiadores ou conterrâneos, bem como os pleitos que entendam relevantes".

A reportagem não questiona esse direito, mas demonstrou que os participantes possuem um histórico de autuações e condenações na Justiça Federal por construção de estrada ilegal, desmatamento, grilagem e desrespeito a embargo de áreas. Estiveram na reunião cinco infratores ambientais na reunião, incluindo o autor de uma ameaça de morte gravada contra servidor do ICMBio.

Salles afirma também que a bancada do Acre quis relatar "o que consideram uma grande injustiça: centenas de pais de família que vivem dentro dos 900 mil hectares da Reserva Chico Mendes são obrigados a tirar seu sustento de uma atividade extrativista de castanhas de caju, borracha, açaí etc. -a qual não lhes dá recursos suficientes para viver dignamente."

"Seu pleito é poder utilizar os 10% da área que a lei lhes permite para produzir gado de leite, café e piscicultura. Ou seja, nada de grave, mas apenas e tão somente algo que lhes forneça produtos para comercializar e agregar renda para si e suas famílias."

Nenhum dos convidados pelos parlamentares que participaram da reunião, porém, é morador regular ou representa alguma associação concessionária da Resex. Quatro são pecuaristas que querem regularizar a sua própria situação e um é um ex-procurador-geral do Acre que quer legalizar uma estrada para retirar madeira de uma área suspeita de grilagem.

O pleito apresentado pela deputada Mara Rocha na reunião não é aprimorar a Resex, mas reduzi-la. Foi o que anunciou após a reunião: "A bancada irá preparar um documento conjunto, dirigido ao presidente da República, pedindo a mudança dos limites da reserva, tendo como base o projeto de lei de minha autoria", escreveu, em sua página no Facebook.

Publicação de Mara Rocha após reunião com o ministro Ricardo SallesPublicação de Mara Rocha após reunião com o ministro Ricardo Salles - Reprodução

Ainda que a reportagem não tenha tratado desse aspecto, outra correção: Salles citou de forma equivocada o plano de utilização da Resex, que prevê atividades complementares em até 10% da colocação (lotes familiares em seringais) desde que não ultrapassem 30 hectares.

Cumpre registrar que o Ministério do Meio Ambiente foi procurado três vezes por este repórter, mas não houve resposta. Essa é a praxe: dados obtidos pelo Observatório do Clima e por O Eco por meio da Lei de Acesso à Informação mostram que, de janeiro a setembro, 77% dos pedidos de jornalistas foram ignorados pela assessoria de comunicação de Salles.

Por fim, Salles erra ao dizer que a castanha-de-caju, produzida principalmente no Nordeste, é um produto da Resex Chico Mendes. Na Amazônia, extrai-se castanha-do-pará.


FSP, 07/12/2019, Ambiente, p. B9


https://www1.folha.uol.com.br/ambiente/2019/12/ricardo-salles-ignora-e-distorce-fatos-ao-criticar-reportagem-da-folha.shtml
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