Flona Tapajós reabre ao turismo comunitário a pedido dos trabalhadores

Amazônia Real - http://amazoniareal.com.br/ - 02/11/2020
Santarém (PA) - Em meio à pandemia do novo coronavírus, a Floresta Nacional do Tapajós (Flona), localizada no Baixo Tapajós no oeste do Pará, reabre gradualmente as portas ao turismo de base comunitária após seis meses de fechamento. A reabertura para visitação pública aconteceu há menos de um mês, no dia 28 de setembro, por pressão dos próprios comunitários e familiares que vivem da renda do turismo.

A Flona do Tapajós é uma Unidade de Conservação (UC) com mais de 500 mil hectares que abrange os municípios de Aveiro, Belterra, Placas e Rurópolis. Na UC, moram 1.050 famílias distribuídas em localidades ao longo da rodovia BR-163. São 23 comunidades e três aldeias indígenas da etnia Munduruku.

Em toda a Flona, apenas seis comunidades trabalham com turismo, onde o principal foco é apresentar aos turistas a biodiversidade da Amazônia por uma perspectiva comunitária e com respeito integral à natureza.

A Portaria no 890, publicada no Diário Oficial da União do dia 25, autorizou a reabertura da Flona Tapajós com restrições. O uso de máscara é obrigatório durante a visitação, preservando o distanciamento mínimo entre as mesas e cadeiras nos ambientes de restaurantes. Também há de limpeza sobre transportes terrestres e aquaviários que levam os turistas às comunidades. Os passeios em trilhas e banhos e nos igarapés são permitidos para grupos com no máximo cinco pessoas.

Apesar das recomendações, há turistas que insistem em violar as orientações. Os guias e a comunidade são responsáveis em fiscalizar os cumprimentos, mas pela livre circulação de turistas no espaço, muitas vezes, a fiscalização fica comprometida.

Pandemia impactou comunidades

Segundo a Associação de Moradores de Jamaraquá, as comunidades da Flona Tapajós receberam 24 mil visitantes de todas as partes do mundo em 2019. Neste ano, apenas 4 mil turistas visitaram o local. Essa baixa, que representa uma queda superior a 80% comparado à mesma época do ano passado, impacta a vida dos comunitários que sobrevivem do turismo.

"Não está bem seguro, não, porque a doença está rodando, não tem vacina, mas era muita pressão para abrir. Todo mundo está satisfeito porque está trabalhando. Teve pessoas aqui que quase passaram fome, ninguém mais aqui 'mexe' com roça, ninguém planta, a gente depende de turismo mesmo", diz Donildo Lopéz, o Dido, presidente da Associação de Jamaraquá. Filho nativo da Flona em seus 58 anos ele explica que, nos seis meses parados, a população respeitou a quarentena e até uma barreira foi feita para que ninguém entrasse na Flona, entre São Domingos e Jamaraquá. Mas o efeito colateral é que a renda caiu a zero. Ele afirma que mudou sua opinião de contrário a favor da abertura do parque.

Além de pousadas, restaurantes e renda para guias, o turismo movimenta outros tipos de atividades para as comunidades. A partir de tecnologias sociais, o artesanato da Flona é baseado no látex, onde são produzidos a Folha Semi Artefato (FSA), a Folha Defumada Líquida (FDL), o Tecido Emborrachado da Amazônia (TEA), o "Couro" Ecológico e os encauchados de Vegetais da Amazônia. São produzidas ainda ecojoias, como colares, pulseiras, brincos e chaveiros. A comercialização desses produtos gera renda para as comunidades de Jamaraquá, São Domingos e Maguari.

"Não vendemos uma peça durante seis meses, então a gente foi muito prejudicada. Não tivemos apoio de nenhuma entidade, nem do ICMBio", afirma Solange Larice, coordenadora da Associação de Artesãs, entidade formada em 2000 e responsável direta pela renda principal de 13 famílias. "A gente foi se ajudando, todo mundo comia na casa de uma, dividia o alimento. Hoje, estamos vendendo aos poucos, ainda está parado e pouca gente vindo, as pessoas têm medo, mas acreditamos em Deus que vão voltar", diz Larice.

"Quando menos esperava, estava com essa doença. Eu peguei em maio e depois meu marido, filho e neta também pegaram. Pedi pro médico de Belterra fazer o exame, mas ele só veio depois de um mês. Fiquei com medo, mas a gente se curou aqui com remédio caseiro da floresta, com mangarataia, kumaru, mel de abelha limão e alho", diz a artesã Lourdes Melo, que foi uma das oito pessoas da comunidade de Jamaraquá diagnosticadas com a Covid-19.

Para Lourdes, a abertura da Flona é importante para que as famílias não fiquem à mercê de ajudas externas e possam reconquistar seu ganha-pão. "Com a abertura melhorou muito, pois ficamos sem nenhum real quando estava fechado. Eu e meu marido trabalhamos com turismo, então, ficamos sem saber o que fazer. O que nos salvou foi o benefício que eu ganho do meu filho que é deficiente, e algumas cestas básicas e ajudas quando vinham. Voltar a trabalhar é não depender mais disso", explica.

Após seis meses parado, o guia de Maguari, Cica Lima, 24 anos, também está de volta às trilhas da grande Sumaúma, árvore milenar da região que atrai turistas de vários lugares para conhecê-la. "Recebi ajuda da minha avó, que é aposentada. Mas eu vendi peixe, açaí quando dava. Foi um tempo muito complicado. Ser guia é a minha principal renda, o que 'caía' aqui que me dava alimento", diz ele, que se tornou pai de primeira viagem de gêmeas no início da pandemia.

Nenhuma das seis comunidades que recebem turistas na Flona possui postos de saúde. A população local depende dos postos dos municípios próximos, como o de Belterra, que conta com precária estrutura, ou do navio-hospital Abaré integrado ao Sistema Único de Saúde e credenciado como uma Unidade Básica de Saúde Fluvial (UBSF), coordenado pela Organização não-governamental Projeto Saúde e Alegria (PSA) e Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa).

Segundo informações disponíveis no site do PSA, o hospital fluvial atende cerca de 15 mil ribeirinhos de 72 comunidades nos municípios de Santarém, Belterra e Aveiro. Os atendimentos para as comunidades da Flona acontecem a cada 40 dias. Mas na pandemia a comunidade de Maguari, que possui em torno de 400 habitantes, só recebeu atendimento médico uma única vez durante o período mais crítico.

Entre maio e julho, período de pico da Covid-19 no Pará, as pessoas das comunidades precisavam se deslocar até Belterra, município mais próximo. Mas a maioria acabou ficando em casa. Apesar dos casos subnotificados e falta de assistência adequada, segundo moradores, ninguém da Flona, morreu pela doença. "A gente que deve se prevenir na nossa comunidade. Os turistas são passageiros, vêm e passam e não estão nem aí. Eu vou lá, coloco minha máscara, uso meu álcool gel e me protejo. Preciso trabalhar e é isso que posso fazer", finaliza a artesã Lourdes Melo.

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