A caminho do mar
Reaberta para ser percorrida a pé, antiga estrada de Santos retrata trajetória de São Paulo
No imaginário erótico popular, a antiga estrada de Santos abrigava um casarão que serviu como cenário para tórridos encontros entre dom Pedro I e Domitila de Castro Canto e Melo, a famosa Marquesa de Santos. Na Baixada Santista, muitos acreditam que o ninho de amor ficava próximo ao pé da serra, no Rancho da Maioridade. Na extremidade oposta da estrada, em São Bernardo do Campo, comenta-se que os encontros aconteciam em suas vizinhanças, no Pouso do Paranapiacaba. Nenhuma das hipóteses está correta. Embora dom Pedro I tenha decretado a Independência do Brasil logo após cavalgar o íngreme percurso entre o litoral e a cidade de São Paulo, a história não registra nenhum detalhe romântico nesse percurso. Como se não bastasse, o Rancho da Maioridade e o Pouso do Paranapiacaba só foram construídos em 1922, 65 anos depois da morte da marquesa. Essas edificações integram uma série de monumentos encomendados pelo governador Washington Luís ao arquiteto francês Victor Dubugras para marcar as comemorações do centenário da Independência (1822-1922). Poderão ser apreciadas a partir deste sábado 17, quando os chamados caminhos do mar serão reabertos, depois de mais de uma década fechados ao público.
Em harmonia com o projeto do governo do Estado de transformar a área em um pólo ecoturístico, dois trechos destruídos por deslizamentos de terra em 1994 ganharam pontes de madeira. Mas agora é impossível conhecer alguém no trajeto ao volante de um carro, como Roberto Carlos celebrizou na música As curvas da estrada de Santos. Os oito quilômetros do caminho, rodeados por Mata Atlântica, só poderão ser percorridos a pé, em companhia de guias treinados pela Secretaria Estadual de Desenvolvimento Econômico e Turismo. "Quando os monumentos históricos estiverem restaurados, será possível conhecê-los também por dentro", afirma Lúcia Silveira, gerente ambiental da Empresa Metropolitana de Águas e Energia (Emae), que atua no projeto. Outras opções previstas para o futuro são o roteiro das águas, com incursões pelos reservatórios rio das Pedras e Billings, e o energético, por setores da Usina Henry Borden, instalada na região no começo do século passado.
Na prática, percorrer os caminhos do mar é encontrar marcas da trajetória econômica do Estado. Originalmente, trilhas tupiniquins atravessavam a serra do Mar, do litoral ao Planalto de Piratininga, onde crescia a cidade de São Paulo. No começo da colonização portuguesa, o transporte de mercadorias de uma ponta a outra era feito pelos índios. Com o aumento do volume de produtos, as cargas passaram a ser carregadas no lombo de mulas. Em 1792, para tornar possível a passagem dos tropeiros, foi inaugurada a Calçada do Lorena, uma estrada pavimentada com lajes de pedra, idealizada e executada pelo Real Corpo de Engenheiros Portugueses. "Trata-se de uma obra admirável, que subia a serra em ziguezague, sem cruzar nenhum curso d'água", comenta o arquiteto Edson Escames, da Emae. Pelo menos 1,5 quilômetro da Calçada do Lorena continua intacto, cruzando em alguns pontos o caminho aberto meio século depois para o tráfego de carros de boi e carroças. Conhecida como Estrada da Maioridade, em referência à emancipação de dom Pedro II, o caminho serviu para escoar a produção de açúcar e, com o advento do automóvel, passou por sucessivas reformas. Nada que impedisse a sua substituição pelo complexo rodoviário Anchieta-Imigrantes, por onde circulam hoje 77 mil veículos por dia.
1 Pouso do Paranapiacaba: edificação de pedra que, nos dias sem neblina, propicia uma vista panorâmica do litoral
2 Barragem do Rio das Pedras: construída em 1925 para formar o reservatório da Usina Henry Borden
3 Casa das Válvulas: ponto mais alto da usina, pode ser avistada da estrada e, no futuro, será aberta à visitação
4 Calçada do Lorena: inaugurada em 1792, foi pavimentada com lajes de pedra a partir de trilhas indígenas
5 Pontilhão da raiz: dA serra Marcava o início da subida da serra, mas agora está em terreno vizinho, da Petrobras
6 Rancho da maioridade: antigo ponto de descanso para viajantes, é obra do arquiteto Victor Dubugras
7 Cruzeiro Quinhentista: faz alusão à chegada dos portugueses em São Vicente e aos jesuítas
Luiza Villaméa e Max G Pinto (fotos)
Isto É, 21/04/2004, p. 74-76
UC:Parque
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