Uma semana depois - a vida renasce

CB, Cidades, p.20 - 03/10/2005
Uma semana depois...a vida renasce

A área consumida pelo fogo começa a ganhar cores. O tom negro das árvores queimadas agora contrasta com o verde de brotos e o amarelo, vermelho, lilás das flores. Sete dias depois do maior incêndio registrado nos últimos sete anos no Jardim Botânico de Brasília (JBB), o cerrado dá os primeiros sinais de recuperação. Na área de campo limpo, um dos tipos de vegetação típica, o verde sobressai sobre as cinzas. As gramíneas brotaram em toda a extensão queimada e chegam a atingir dez centímetros de altura. No cerrado ralo, a Bulbostylis paradoxa, planta herbácea de base lenhosa, está carregada de flores amarelas. E na parte densa, o vermelho de uma bromélia é visto de longe, em meio ao cenário devastado.
Outras espécies também são encontradas renascendo das cinzas, porém, em menor número, como a Vellozia. Conhecida como canela-de-ema, é um arbusto de galhos pontudos que só mantém a flor aberta por um dia ou dois.Com pétalas azuladas ou em tom lilás, a flor morre quase tão rapidamente quanto nasce. Só vimos duas, até agora. Uma foi recolhida para análise e a outra já não tem mais pétalas. Estava florida no fim de semana, depois das chuvas”, conta o engenheiro florestal do Jardim Botânico, Isaac Nuno Azevedo, chefe da Divisão de Ecologia. Um quero-quero e um gavião sobrevoavam a área em recuperação, em busca de alimento.
O cerrado tem extrema resistência a queimadas porque as árvores têm raízes profundas e cascas grossas. O fogo existe no cerrado há anos. Há plantas que só germinam depois de queimadas. Ele está muito bem adaptado”, comenta o coordenador do Prevfogo do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama/DF), Guilherme de Almeida. Entre as espécies que têm a floração estimulada pelo fogo, está a Bulbostylis paradoxa.
A área devastada pelo incêndio começou a se recuperar com a forte chuva da quinta-feira da semana passada — um dia após o árduo trabalho dos bombeiros para controlar as chamas. O incêndio, sem causa definida, queimou mais de 3,2 mil hectares do parque. E causou danos ainda incalculáveis. A chuva foi um presente do céu. Foi nossa sorte. Talvez, houvesse mais danos ainda”, agradece a diretora do JBB, Anajúlia Heringer. Ela acredita que em um mês dará para quantificar os prejuízos causados pelo incêndio. Em 15 dias, termina a busca de animais vertebrados mortos pelo fogo. Até ontem, nenhum bicho carbonizado foi encontrado.
Interferência
Em relação à flora, a diretora do Jardim Botânico já prevê que não será possível recuperar as matas ciliares atingidas pelo fogo sem a interferência humana. Vamos ter que replantar.” Anajúlia Heringer acredita também que pode, a médio prazo, faltar alimento para algumas espécies porque o pasto foi queimado. Segundo ela, estudo recente mostra que o fogo queimou justamente áreas onde haviam plantas maiores. Histórico dos últimos cinco anos aponta que os pontos atingidos pelo incêndio da semana passada não são os mesmos que sofreram queimadas de 2000 para cá. Talvez, por isso, o fogo tenha se espalhou com mais intensidade.”
Estudos técnicos e de campo revelam ainda a possibilidade de o fogo ter começado em uma quarta área, que não foi divulgada anteriormente. Além do Jardim Botânico, o incêndio devastou parte da Reserva Ecológica do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e da Fazenda Água Limpa, da Universidade de Brasília (UnB). No entanto, segundo Anajúlia Heringer, as chamas começaram na área da Aeronáutica, que faz limite com o parque. O fogo começou lá e veio para cá. Depois se alastrou para o IBGE e para a fazenda da UnB. Um outro foco da Aeronáutica se alastrou também para a nossa área. Foram três focos diferentes. O incêndio só não atingiu a área de visitação do Jardim Botânico porque fizemos um corta-fogo”, explica a diretora.
O responsável pelo Prevfogo do Ibama, Guilherme de Almeida, diz que até o fim deste ano haverá uma seminário para discutir políticas de prevenção a queimadas. A meta será a procura de ações que evitem a repetição de tragédias ecológicas, como a do Jardim Botânico. Podemos até propor alterações na lei, para aumentar o dimensão dos aceiros”, adianta. Aceiros são barreiras ou obstáculos construídos com a finalidade de evitar a propagação do fogo.
O incêndio no Jardim Botânico, na Reserva Ecológica do IBGE e na Fazenda Água Limpa consumiu o equivalente a 3,8 mil campos de futebol. As três reservas abrigam representantes de um terço da fauna do cerrado, inclusive de espécies ameaçadas de extinção, como o tatu-canastra, o lobo-guará e o tamanduá-bandeira. Os bombeiros ainda elaboram um laudo para descobrir as causas da tragédia ambiental.

CB, 03/10/2005, p. 20
UC:Estação Ecológica

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