Tão poucos e tão ameaçados

CB, Cidades, p. 28 - 25/07/2006
Tão poucos e tão ameaçados

Restaram menos de meia centena de lobos-guarás no Distrito Federal e eles sofrem os riscos do cruzamento consangüíneo, do preconceito dos moradores das zonas rurais e da falta de corredores ecológicos

Carolina Caraballo
Da equipe do Correio

Os cerca de 50 lobos-guarás que, segundo estimativas, ainda habitam o Distrito Federal ganharam reforço na luta pela sobrevivência. A veterinária Laila Maftoum Proença, 25 anos, e a bióloga Marília Bruzzi Lion, 27, dedicam seus mestrados na Universidade de Brasília ao animal símbolo de Brasília. A dupla analisa características genéticas e epidemiológicas dos animais encontrados na Estação Ecológica de Águas Emendadas, próximo a Planaltina. E tentam descobrir por que a vida da espécie no local está tão comprometida.

Uma das ameaças aos lobos-guarás da região é a falta de variabilidade genética. De acordo com Marília Lion, que faz mestrado em ecologia, as poucas espécies isoladas na reserva ecológica praticam o cruzamento endogâmico, ou seja, entre parentes. "Pais com filhas, irmão com irmã. Nas onças-pintadas, por exemplo, a conseqüência dessa prática é uma má-formação dos óvulos e espermatozóides. Estudaremos se isso também ocorre nos lobos-guarás", adianta. "Mas sabemos que, em qualquer animal, o cruzamento entre parentes traz à tona genes letais ou pouco saudáveis." Marília Lion ressalta que a semelhança genética também torna os animais suscetíveis às mesmas doenças e à deformação física.

Coleta de DNA
Além de observar a variabilidade genética da espécie, Marília irá comparar duas formas de coleta do DNA, a pelo sangue e a pelos excrementos. A análise do sangue permite encontrar células de melhor qualidade. No entanto, o método é mais caro para a pesquisadora e mais estressante para o animal, que precisa ser capturado e sedado. Por outro lado, a análise feita nas fezes é mais barata, já que o material é encontrado em abundância. "O lobo-guará usa excremento para demarcar o território", explica Marília. "O problema é que as células do intestino encontradas nas fezes nem sempre são de boa qualidade para os estudos."

A particularidade genética não é a única responsável pela vulnerabilidade dos lobos-guarás. A falta de espaço também contribui para o extermínio da espécie. Pesquisadora do mestrado de biologia animal, Laila Proença conta que filhotes e adultos saem das reservas à procura de alimento. "E a falta de corredores ecológicos faz com que eles se aventurem pelas estradas e acabem atropelados", lamenta. "Outros lobos são mortos por fazendeiros que se sentem ameaçados pelo bicho ou pela superstição dos homens. Alguns acreditam que os olhos do animal trazem sorte." A proximidade com áreas urbanas também transforma o lobo-guará de predador em presa. Cachorros domésticos que se perdem nas reservas ficam asselvajados e atacam a espécie.

O número exato de lobos-guarás no Distrito Federal é uma incógnita. Acredita-se, porém, que eles não ultrapassem 50 cabeças, espalhadas em três unidades de conservação. Em 2002, o pesquisador e biólogo Flávio Rodrigues fez um levantamento na Estação Ecológica de Águas Emendadas e estimou de oito a 10 animais vivendo nos 10 mil hectares da unidade. Estudiosos prevêem que no Parque Nacional de Brasília existam cerca de 30. Outros 10 estariam na Área de Proteção Ambiental (APA) Cabeça de Veado.

"Corredores ecológicos permitem a manutenção ideal das reservas. Além disso, a educação ambiental também é arma poderosa contra a extinção do lobo-guará", avalia a pesquisadora. "Os fazendeiros precisam entender que esse animal não ataca e só vai caçar galinhas se estiver com muita fome." Na reserva de Águas Emendadas, as pesquisadoras capturaram, até agora, apenas dois lobos. A dupla já foi recapturada quatro vezes. As armadilhas também pegaram sete cachorros do mato, que interessam a Laila Proença. Ela estuda quais doenças eles passam para os lobos e vice-versa. Assim é possível manter a sanidade dos dois grupos.

O professor do departamento de zoologia da UnB Jader Marinho alerta para o fato de que, sem os cuidados necessários, os lobos-guará podem desaparecer do DF em 10 ou 20 anos. "Eles não correm o risco imediato de serem exterminados, como aconteceu com o mico-leão dourado. Mas a ocupação cada vez maior das áreas em que os lobos vivem deixa a espécie vulnerável", aponta Marinho, que também é vice-diretor do instituto de Biologia da UnB. "Vale ressaltar que, ao proteger bichos que demandam de muito espaço para viver, estaremos protegendo também animais de menor porte."


Para saber mais

Nome científico
Chrysocyon brachyurus

Onde aparece
Na América do Sul. É encontrado na região central do Brasil, no Paraguai, na Bolívia, no extremo leste do Peru, nordeste da Argentina e Uruguai, sempre em regiões de vegetação aberta, como campos e cerrados.

Hábito
Crepuscular/noturno

Comportamento
Solitário

Longevidade
Em média 15 anos

Tamanho
Tem entre 145cm e 190 cm de comprimento total e mede 80cm de altura do chão à cernelha (fio do lombo)

Peso adulto
Entre 20kg e 32kg

Número de filhotes por cria
De dois a cinco

Alimentação na natureza
Pequenas cutias, pacas, aves, répteis, frutas e insetos

Alimentação em cativeiro
Frutas, carne, ovos e alimento vivo

Fonte: Associação para Conservação dos Carnívoros Neotropicais (Pro-carnívoros) - www.procarnivoros.org.

CB, 25/07/2006, Cidades, p. 28
UC:Geral

Unidades de Conservação relacionadas

  • UC Brasília (PARNA)
  • UC Águas Emendadas
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