Em meio às vastas planícies do sertão cearense encontram-se estranhas formações rochosas que se destacam na paisagem tal como um arquipélago no oceano. Estas formações são denominadas inselbergues, também conhecidas como monólitos, e dominam a maior parte do município de Quixadá, incluindo uma rocha em formato de galinha choca que simboliza a região. O termo inselbergue foi cunhado em 1900 pelo geólogo alemão Wilhelm Bornhardt (1864-1946), significando "ilha de pedra", e desde então, estudos neste tipo de ambiente revelaram uma biodiversidade peculiar que vem sendo selecionada há milhares de anos por condições ambientais extremas.
No mesmo ano em que o termo inselbergue foi inventado, um periquito nordestino recebeu o nome Pyrrhura griseipectus pelo ornitólogo italiano Tommaso Salvadori (1835-1923), que o percebeu misturado com outra espécie semelhante nas gavetas de museus europeus, contudo, este material não tinha origem precisa. Sua procedência permaneceu desconhecida até os primeiros exemplares serem coletados em 1913 na serra de Baturité, também no Ceará, aonde a ave é conhecida popularmente como periquito cara-suja, sendo um refúgio de exuberantes florestas úmidas cercadas por vegetação seca.
Acreditava-se que a espécie dependia destas poucas florestas úmidas para sobreviver, pois foi coletada apenas em refúgios semelhantes à serra de Baturité, como a Reserva Biológica de Serra Negra, encravada no sertão pernambucano, e nas cercanias de Ipu, situada na serra da Ibiapaba, divisa natural entre Ceará e Piauí. Como o cara-suja é o periquito mais ameaçado de extinção na América do Sul, com população presumida de 250 exemplares, este habitat restrito agravaria suas chances de perpetuação, já escassas por causa do tráfico de animais silvestres.
Todavia, uma nova esperança surgiu de onde menos se esperava. Periquitos acabaram de ser descobertos habitando os inselbergues! Os bandos de Quixadá são maiores do que os observados na serra de Baturité, o que pode resultar de adaptações na estratégia reprodutiva. Na serra de Baturité o cara-suja faz seu ninho em cavidades nas árvores e acaba sendo encontrado por traficantes de animais silvestres, mas em Quixadá a reprodução parece ocorrer em cavidades rochosas inacessíveis nas escarpas do inselbergue.
Curiosamente, seis exemplares já haviam sido coletados em Quixadá há mais de 83 anos por um pesquisador alemão. Esta informação permaneceu inédita até começar a ser divulgada em 1992, quando Quixadá foi indicada como um dos pontos de ocorrência, até que no ano 2000 os espécimes então depositados no Museu Americano de Nova Iorque passaram a ser de conhecimento público. Mas ainda restava um mistério, pois a ficha da coleta dos espécimes não especificava a localização dos periquitos em Quixadá, existindo no município um lugar que abrigou matas úmidas no passado - a serra do Estevão, que desviava a atenção dos pesquisadores. A descoberta de que o cara-suja habita outro tipo de paisagem dá um novo ânimo para os esforços de conservação da espécie e de seu habitat. Em 2003 a espécie foi incluída na Lista Nacional da Fauna Brasileira Ameaçada de Extinção, antes mesmo de figurar na lista vermelha internacional, e desde então passou a ser uma das prioridades de conservação da ONG cearense Aquasis, que tem realizado estudos sobre a biologia reprodutiva, dieta e distribuição da ave, bem como ações de educação ambiental, produção de filmes e criação de Reservas Particulares do Patrimônio Natural. Os projetos foram financiados pela Fundação O Boticário de Proteção à Natureza, Loro Parque Fundación, BirdLife International, Banco do Nordeste e SESC e SENAC Ceará. A Aquasis é considerada a guardiã do periquito cara-suja pela Campanha "Preventing Extinctions" da BirdLife International.
As pesquisas sobre a biologia reprodutiva do cara-suja incluem a instalação de caixas-ninho que foram recentemente ocupadas, abrindo muitas possibilidades para o manejo natural, sem o uso de animais cativos que podem disseminar doenças. No início do projeto alguns moradores da serra de Baturité chegaram a duvidar que o cara-suja pudesse aceitar os ninhos artificiais, ou pior, que se fossem ocupados seriam pilhados por traficantes. Contudo, está acontecendo justamente o contrário. A sociedade local está animada com os resultados, existindo uma grande procura de caixas-ninho para instalação nos sítios. Periquitos cativos tem sido entregues voluntariamente ao Ibama e traficantes denunciados à polícia, um cenário diferente do encontrado anteriormente na região. O sucesso do projeto está acontecendo dentro e fora das caixas-ninho, com a reprodução assistida e apoio crescente da sociedade.
O nascimento dos primeiros filhotes na caixa-ninho foi emocionante para a equipe da Aquasis e para a família do microempresário Danilo, em cujo sítio ocorreu a esperada reprodução, justamente no mesmo dia em que foram fotografados e gravados os periquitos de Quixadá. Estas informações e todas as outras geradas nas pesquisas serão aproveitadas em uma parceria da ONG Aquasis com o ICMBio, que deverão produzir um plano de conservação para a espécie junto com representantes da sociedade em 2011.
* Aquasis - Associação de Pesquisa e Preservação de Ecossistemas Aquáticos. Endereço: Colônia Ecológica do SESC Iparana. Avenida José de Alencar, 150, Praia de Iparana, CEP 61627 010, Caucaia, CE.
http://www.oeco.com.br/convidados/64-colunistas-convidados/23843-fortalezas-para-periquito-ameacado-
Biodiversidade:Fauna
Unidades de Conservação relacionadas
- UC Serra Negra (REBIO)
- UC Serra da Ibiapaba
- UC Serra de Baturité
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